A febre amarela do governo Crivella

A demissão do jornalista Caio Barbosa do jornal “O Dia”, do Rio, por pressão do prefeito Crivella, segundo versão disseminada nas redes sociais e não desmentida até agora pela direção da empresa, desaponta quem acredita que um dos papéis fundamentais da imprensa é cobrar eficiência e honestidade do poder público com independência e liberdade.

Caio fez uma reportagem corriqueira sobre o avanço dos cariocas aos postos de saúde em busca da vacina contra febre amarela e relatou as dificuldades de quem tem penado nas filas. A matéria, pelo jeito, irritou Crivella.

É esquisito, porque em nenhuma linha foi feita uma só menção direta ao prefeito, ressalvado o comentário de um entrevistado gaiato, que, sem citar o nome do bispo, lembrou, com ironia, a intenção eleitoral dele de “cuidar das pessoas”, caso vencesse a disputa no segundo turno com Marcelo Freixo.

Fico imaginando a reação do prefeito se ele fosse citado, então, e apontado como culpado pelas filas.

O cronista digital entra atrasado de propósito neste assunto, ocorrido há pouco mais de uma semana, por achar que é uma pequena contribuição pra retardar seu esquecimento. Tomara que consiga.

O episódio fez lembrar o tempo de caderno “Cidade” do finado “Jornal do Brasil”, na época dirigido pelo brilhante Marcos Sá Corrêa. Naqueles dias, repórter de geral, jargão das redações pra designar o jornalista que faz cobertura local, eu escrevi uma reportagem boboca sobre a falta de cuidado do poder público com o entorno do Parque Guinle, “quintal” do Palácio Laranjeiras – como chamei na matéria -, onde residia o então governador Moreira Franco.

A matéria foi boboca, mas irritou o Moreira. O governador, ou alguém sob as ordens dele, como talvez tenha ocorrido agora com o Caio, pressionou a direção do JB, questionou o que eu havia escrito, cobrou uma adesão à versão oficial, mas as queixas não me atingiram. Só chegaram a mim porque um dos editores-executivos, o supercompetente Ricardo Boechat, me contou.

O jornal era pró-Moreira, não escondia isso, mas não tive meu emprego ameaçado. Pelo contrário. Logo depois, fui até transferido como repórter especial pra editoria de Política, onde poderia incomodar até muito mais o Moreira. Era outro tempo. Esse tempo existiu – acreditem, estudantes.

“O Dia” perdeu uma grande chance de mostrar ao Crivella que não se negocia com notícia. Notícia é notícia. O melhor exemplo talvez seja o do futebol. Um repórter pode contar de muitas formas como foi um jogo, mas o que vai ficar na História, na imensa maioria das situações, é só o resultado.

Às vezes, até o placar escapa da memória – mas o resultado da partida todo mundo lembra pra sempre.

O absurdo da demissão do Caio, se a razão tiver sido mesmo esta, agride o jornalismo, enche de vergonha a democracia, esbofeteia o bom senso que deve reger as redações, dá mau exemplo às novas gerações em gestação nas faculdades de Comunicação, fortalece os piores políticos e, acima de tudo, pune o leitor.

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Li em algum lugar uma frase em inglês, que dizia assim: “Tudo que eu preciso é de um amor e de uma boa taça de vinho.” Muita gente pode até abrir mão do vinho, trocar por cerveja ou caipirinha, mas duvido que alguém não queira de verdade um amor. A não ser que já tenha um.

O que isso tem a ver com a demissão do Caio?

Nada. Só achei interessante, e deu vontade de reproduzir aqui.

3 comentários sobre “A febre amarela do governo Crivella

  1. Marceu,
    O que vou falar não deve se nenhuma novidade para você.
    Eu não sou jornalista e jamais pisei numa redação. Porém, por tudo que ouço de meus amigos, e tomado o cuidado de resguardar a atuação da maioria absolutíssima de seus profissionais, sei que o jornalismo hoje, como instituição, adota práticas condenáveis, práticas que nós não ensinaríamos nossos filhos a adotar.

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