Calcinhas no varal

De vez em quando, metido a feminista num corpo e num cérebro masculinos, o cronista digital tem a empáfia exagerada e a presunção infantil de achar que já aprendeu muito com as mulheres. O cronista é bobo alegre. Não aprendeu quase nada. Só acha que sim. Precisa aprender muito mais. Talvez nem viva o suficiente pra aprender tudo que necessita.

Ele adora repetir que foi moleque criado por mãe sozinha, num quintal com irmã e prima, e tia e avó, e outras tias emprestadas e vizinhas, e que conviveu com calcinhas penduradas no varal de casa durante a infância e a adolescência inteiras – e que ainda, depois disso, teve a sorte de ter duas meninas lindas no seu trio de filhos.

Eu, este tal cronista digital de meia tigela e meia pataca, aprendi à beça com todas essas mulheres, e ainda com outras que vieram depois, mas não assimilei o suficiente. Talvez nunca aprenda, nem nunca assimile.

Nesta quarta-feira, 8 de março, dia dedicado a elas, este cronista idiota se ressentiu do aprendizado que lhe falta. Percebeu que todo ensinamento recebido foi pouco aprendido, quase vão, e que ele precisa ainda saber muito mais.

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Até outro dia, o Brasil era governado por uma mulher. Vítima, entre outras agressões, de misoginia, ela foi arrancada do Palácio do Planalto num golpe parlamentar masculino e deu lugar a um vice, pra quem o papel das mulheres na sociedade é educar os filhos, cuidar dos “afazeres domésticos” e tomar conta do preço do supermercado.

Pelo visto, a mãe dele, com todo o respeito, falhou na missão de educá-lo. É pena.

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Dizer que o dia da mulher é todo dia é uma tremenda hipocrisia, muito comum entre nós, homens. Infelizmente, não é. Antes fosse.

Mulheres são discriminadas dia sim, outro também no mercado de trabalho, nas famílias, nas escolas, nas ruas. Muitas vezes, até por outras mulheres.

E quanto mais pobres e menos bancas, mais discriminadas são.

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A primeira feminista da era moderna no Brasil talvez tenha sido Chiquinha Gonzaga (1847-1935). Num tempo em que meninas como ela eram criadas pra um papel que, mais de 150 anos depois, Temer ainda acredita ser o das mulheres, Chiquinha, filha de uma negra com um militar branco, bagunçou o coreto da sociedade carioca.

Mandou o pai e o marido machistas às favas e foi ser feliz com seu piano e os amores que escolheu.

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O Brasil seria mais feliz se um varal repleto de calcinhas fosse estendido do Oiapoque ao Chuí.

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